quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Círio de Nazaré


O Círio

O Círio vai passando como um rio.
Rio de anjos e brinquedos de miriti.
Como um rio
e sua multidão de ondas caminhantes.
Como um rio.
O Círio vai passando como um rio.
Passa a Barca dos Marujos.
Passa a Barca dos Milagres.
Passa a Barca dos Arcanjos.
Passa a Barca das Girandas.
Piracema da fé na rua que é rio!
Passa a Barca da Berlinda
periantã de lírios
arcano a navegar à flor das almas…
O Círio vai passando como um rio.
A correnteza de um rio
com alma e devoção.
Rio de sílabas velozes.
Sonoro rio
e seus cardumes de canções.
Um rio de ondas submarinas,
pleno de naves aves velas e velames.
Um rio devoto
navegado pela fé,
peixe a navegar por entre a correnteza.

Carro dos Anjos

Anjos anjos anjos
Nuvem de anjos passando entre mangueiras.
Anjos anjos anjos
Carro de anjos passando pelas ruas.
Anjos anjos anjos
Nuvem de anjos em túneis de mangueiras.
Anjos anjos anjos
Carro de anjos levado pelas ruas.
Asas de anjos roçando nas mangueiras.
Asas de anjos pousando o céu nas ruas.

Senhora de Nazaré

Senhora,
talvez aqueles que te levam
pelas ruas
no azul levíssimo da alma
nem percebam
que é por todos nós que passas…
Senhora,
tu que passas sobre todas as cabeças,
coroa de cantares e perfumes,
entre pedras, paus, penas e espinhos
hás de tornar cada vez mais suaves
nossos caminhos…
Senhora,
barca de flores
caviana mística
coração de pétalas no peito da manhã
Iara boiando em águas encantadas
rosa mística, “lírio mimoso”, cântico dos cânticos…
Senhora de Nazaré,
tu que passas pisando nosso chão
coroada de sonhos e de flores,
só não hás de passar no ardor do meu coração…

Carro dos Milagres

O Carro dos Milagres é um barco.
Navega sob nave de mangueiras
nas ruas de Belém…
No tombadilho
acumulam-se pernas, troncos, braços,
cabeças destroncadas,
destroços de poesia, cacos de esperança.
Acumulam-se casas, igarités, malárias, espinhelas.
Acumulam-se mazelas e penas desta vida…
Quando, nesse barco
tripulado por sonhos,
equipagem de graças e milagres,
há de haver
o cocar de algum índio celebrado
e o punhado de terras do colono
que garantiu seu chão para viver?
Quando há de haver
no Carro dos Milagres,
como no alvo garçal de Monte Alegre,
o levíssimo pousar de aves claras
revelando
que entre nós a paz pousou na terra.

A Virgem na Berlinda

Em meio à multidão
quisera ser
tão só
um desses lírios em teu andor,
para estar a teus pés
para sentir teu perfume
para bem perto olhar
teus pequeninos olhos de ternura.
Quisera ser essas folhas de mangueira
à tua passagem
e te roçar de leve com meus lábios.
Quisera ser esse raio de sol
por entre as folhas,
para tocar tua imagem e te aquecer.
Quisera ser essa brisa
das manhãs de Belém,
para agitar levíssimo o teu manto.
Quisera ser um hino
a rebrotar dos lábios das crianças.
Um hino em teu louvor!
Quisera ser os passos da paixão
te acompanhando,
como o peixe acompanha
a procissão das águas,
como o tema da canção
que passa
por entre a melodia.
Quisera ser as sílabas do amor
para a linguagem ser dos que te amam.

A Corda

Mãos rezam na corda
Arrastam de amor o Carro da Berlinda
Mãos na corda arrastam a fé
Mãos na corda arrastam
Mãos na corda
Mãos na
Mãos
Mãos sonham na corda
Arrastam de ardor o Carro da Berlinda
Mãos na corda arrastam a esperança
Mãos na corda arrastam
Mãos na corda
Mãos na
Mãos
Mãos sangram na corda
Arrastam fiéis e o Carro da Berlinda
Mãos na corda arrastam a caridade
Mãos na corda arrastam
Mãos na corda
Mãos na
Mãos
Mãos tecem de mãos a corda
Arrastam homens e mulheres para dentro de sua alma
Mãos na corda arrastam o céu na terra
Mãos na corda arrastam
Mãos na corda
Mãos na
Mãos

Louvor à Virgem

Senhora de Nazaré!
Meu coração
em teu louvor
sangra, queima, se renova e dança,
faz-se de amor por ti.
Toma-me para sempre em tua devoção.
Aprisiona-me, Senhora,
na liberdade azul de minhas asas…
Sou livre
se encarcerado sou
em teu amor.
Sou mais alto
ajoelhando-me a teus pés.
Sou infinito
mesmo sendo grão de poeira
ínfimo, que pisam
os que te levam no ombro e ao coração…
Senhora de Nazaré!
Muiraquitã no colar de cordas e de mãos.
Cocar de luz na fronte indígena
de nossa emoção original.
Senhora de Nazaré
Dá-nos amor!
Senhora de Nazaré
dá-nos a paz!
Senhora de Nazaré
dá-nos amor e paz
como luz e pão de cada dia…

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A moto-romaria do Círio

Romaria de motocicletas.
Liturgia tecnológica
no cantar o canto-chão de máquinas em coro,
rezando pelas descargas,
orando pelas buzinas,
acelerando a crença
no velocímetro da fé.
Máquinas em devoção metálica.
Transfiguração de pés em rodas peregrinas.
Palavras embreadas na linguagem.
Mudando a marcha do tempo
a moto-romaria
avança pelas ruas do que é
em busca do vir a ser no que será.
Signos tatuados em braços,
costas, peitos, ventres, pelvis, pernas
de um novo corpo místico.
A pós-modernidade aqui que se faz litúrgica
convertendo a moto, símbolo rebelde,
em signo devoto.
Relâmpago de preces
na veloz velocidade mecânica
de nossos dias.
Motocírio ansioso furando o túnel de mangueiras,
abrindo um buraco na luz da manhã.
Devoção metálica de uma época
que não tem mais tempo para o tempo.
O antigo veste roupa nova,
ou é o novo que celebra o antigo?
Rios a encontrarem-se nas águas,
correntezas litúrgicas,
almas abraçadas
pelas ruas de Belém.
Cheiro de gasolina
entre incensos e patichulis.
Buzinas feito campaínhas.
Colares de sementes
entre escapulários.
Descargas pelos canos explodindo
sonorizando fogos de artifício.
Corais motorizados que rezam ladainhas.
A imagem na Berlinda
sobre o carro de bombeiros,
avança
entre os incêndio da fé que arde nas almas.
Com que súbito espanto,
de seu calmo céu de catecismo,
anjos, de harpa nas mãos,
hão de entender essa missa dionisíaca de máquinas?
A romaria das motos pelo asfalto
arromba as portas do silêncio,
da indiferença,
do conformismo
e abre,
sob túneis de mangueiras,
uma nova estrada de amor e de esperança.
                                                                                                              João de Jesus Paes Loureiro

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